29.3.10

Não pude deixar de olhar a bandeira do Brasil naquela tarde ensolarada, azulada. Senti raiva do posistivismo, lembrei de como eu costumava dedicar minhas tardes a tagarelar sobre história e política. Enquanto a bandeira se embalava no céu, eu cá abaixo segurava ânsias e pensava o quanto o positivismo era ridículo, que a ordem veio em excelência e o progresso foi cerrado. Até que os raios de sol atingiram a água mais azul que a tarde - e que tarde - e de repente estalou em meus olhos. Foi assim, fulminante mesmo. E pude esquecer das tardes de política, do positivismo, até mesmo do calor infernal. Me pus a nadar naqueles raios e deixei que o azul me lavasse a alma. Foi assim, uma entrega sem volta.

28.3.10

Bio

é que as tuas células
vivem em mim

e vivem a destroçar tudo que existe.

Dá não

Queria escrever algo onde conseguisse colocar o que tô sentindo exatamente agora, mas nenhuma palavra tornaria isso bonito, ou sequer ajeitadinho.

27.3.10

Alvorada

Conheço o calor do sol quando ele tá prestes a nascer dentro de mim.

25.3.10

Madeira mal-acabada

Era uma senhora, azeda feito limonada sem açúcar. E tinha também a outra, amável, tão amával que enjoava. Havia naquela casa também um armário, um armário cheio de livros e fotos. Empilhado com amor, fita crepe e uma mala de roupas prestes a ser desmontada ali.

24.3.10

Que é de longe

Ô, Seu Mar, me traz umas conchas daí que é preu deixar dessa saudade e conseguir te ouvir toda vez que ela voltar. Diz pra mãe que coração de filho longe de casa é apertado, que o olho arde mas o passo é firme. Não esquece de deixar teu gosto salgado pra dormir comigo, a tua paz pra me embrulhar nesse frio. Essa noite quero dormir com a tua brisa.

23.3.10

Tempinho

Esse olhar interlunar
é a tua natureza impávida
circunda minha cintura
queima em brasa
desliza na minha retina
devasta meu peito
na espera constante
em tons de sépia
e preto e branco
Abre os teus armários, eu estou a te esperar pra ver deitar o sol sobre os teus braços castos. Cobre a culpa vã ... até amanhã eu vou ficar. E fazer do teu sorriso um abrigo. Canta que é no canto que eu vou chegar. Canta o teu encanto que é pra me encantar. Canta pra mim, qualquer coisa assim, sobre você, que explique a minha paz, tristeza nunca mais. Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão. Nesta espera o mundo gira em linhas tortas. Abre essa janela, primavera quer entrar pra fazer da nossa voz uma só nota.

22.3.10

Margot de novo

Adorável período, adorável adeus de novo e de novo e de novo.

Assusta?

Sacudia os travesseiros, balançava os lençóis que foram da mãe, olhava contra o vidro sujo da janela e tentava distração com o branco amarelado das paredes caladas. Tormento infindo, perturbação que parece crescer todos os dias. É, menina. Não tem jeito senão enfrentar isso de frente, de lado ou de qualquer outra forma possível. Meteu-se a valentia e enfiou a cabeça em baixo da cama. Saiam, monstros! Sei que vocês se escondem aí e sei que são vocês os culpados do meu medo, da minha insônia, da minha perturbação! Pouco tempo passou até aqueles olhos pequenos conseguirem ler o bilhete deixado: "Estamos dentro de você."

21.3.10

É o medo que dá quando amor e ódio andam entrelaçados - como aquelas mãos costumavam fazer.

Serenidade

10 janv

Bom dia, flor.
Hoje te amei.

20.3.10

Difícil

Ainda é fácil entregar-se àqueles sorrisos que falavam de sóis e dias amarelos, cheios de sardas, sardentinha. Os dias foram cortados em pedaços fotográficos e de sorrisos fomos a olhos tristes, dos olhos fomos ao silêncio. Eis que um dia me aparece uma nuvem em forma de passado e os sinos danaram-se a badalar. Feito uma cristã ajoelhada ao altar eu roguei por paz, roguei pelo exorcismo de mim no meu próprio corpo. Roguei minha alma e meu sorriso de volta. Ainda é fácil entregar-se àqueles sorrisos, cheios de sardas, sardentinha.

19.3.10

Açougue

Era um cara. Não lhe cabiam os braços, não lhe cabiam os olhos, sequer os cabelos. Era um cara que cortava carne e fazia o sangue virar lama.

134

Choro
Quando fizemos amor, logo no começo,
você chorou. Feliz.
Quando fizemos amor no último dia, você chorou. Infeliz.
Eu não podia chorar. Tinha uma montanha sufocando a garganta.

18.3.10

"Há mais amor nas páginas de um livro do que num par de coxas"

17.3.10

Cecilia

Cecilia: [voiceover, reading from her diary] The trees, like lungs, filling with air. My sister - the mean one - pulling my hair.

16.3.10

Chuvinha

Três dias perdidos no tempo, embaçados, como meus olhos marejados, como a janela do meu lado cheia de frio. Tão quentes que fizeram em vermelho todas as ruas por onde andamos e até me queimaram o rosto, me deixando uma mancha. Corações, fígados e pulmões. Tu foste embora e a chuva pôs-se a desabar sobre esses tetos cinzas que não conhecem o teu amor.

13.3.10

Ciclo

Ele vai te olhar nos olhos, penetrar.
te tocar o estômago.
(perna bamba)
E aqueles olhos sujos
de café
Vão pertubar novamente.

Precisa-se de paz, li no aúncio.
Roubei-o pra mim. Cadê tu?

12.3.10

Uma gestação

Quando você pinta tinta nessa tela cinza, quando você passa doce dessa fruta passa, quando você entra mãe-benta amor aos pedaços, quando você chega nega fulô boneca de piche, flor de azeviche, você me faz parecer menos só, menos sozinho. Você me faz parecer menos pó, menos pozinho. Quando você fala bala no meu velho oeste, quando você dança, lança flecha, estilingue, quando você olha molha meu olho que não crê, quando você pousa mariposa morna lisa, o sangue encharca a camisa, quando você diz o que ninguém diz, quando você quer o que ninguém quis, quando você ousa lousa pra que eu possa ser giz, quando você arde alardeia sua teia cheia de ardis, quando você faz a minha carne triste quase feliz, você me faz parecer menos só, menos sozinho. Você me faz parecer menos pó, menos pozinho.

11.3.10

Sensorial

Pele crua ainda vermelha, recém nascida, recém tocada. Arde feito neve.

10.3.10

Maybe I should go and live amongst the animals

Blues da casa

- Eu vou querer uma dose de Blues, por favor.
- Blues triste ou alegre?
- Me veja o mais triste da casa. Hoje vou afogar as mágoas.

9.3.10

Saias

O samba que roda nas saias é o mesmo que me vira do avesso

Varanda

Eu olhava uma borboleta com asas tão pesadas quanto esses sonhos ruins que assombram meu colchão e como as flores que são carregadas pelo vento ela se arrastava por meus olhos. Ela seguia para as varandas de azulejos azuis e vasos com corações ora crescendo, ora murchando. Cansou e caiu em cima de um dos corações que crescia forte. Ali ficou. Ouvi dizer que só esperava encontrar um coração que a sustentasse para que, cega, pudesse se entregar.

Varal

Tão pequena que os olhos mal lhe cabiam, acompanhava a mãe que tirava as roupas dum balde e as colocava nas cordas do quintal. Perguntou-lhe, tímida, o que era aquilo. É um varal, pequena. E porque você tá vestindo o varal? A mãe sorriu.

8.3.10

6

Por você, amor, esfrego olho de vagalume nas unhas... que acendem no escuro o teu nome.
Isso.

Franciscano

Pequeno príncipe que não fala por sabedoria, fala por música através dos olhos. Olhos de partitura capturados.

Confusion is nothing new

"A imagem da TV distorcia a pupila e se fazia reflexo lá dentro. Ora dilatada, ora completamente contraída. Ora embaixo, ora em cima. Nara Leão e talvez Chico Buarque. Eu te olhavando assistindo àquilo tudo, imóvel.".

Um dia me apaixonei por um par de botas, e passei a segui-las por vários olhares, céus e cores. Conto-lhes, espectadores de uma história de amor qualquer, que o dono das botas logo fez-se dono da minha alma. Garotas e garotos de todas as idades, vocês gostariam de ver uma coisa estranha? Venham e verão essa nossa cidade do Halloween. As botas encontraram meus pés, o dono das botas encontrou minhas mãos trêmulas e o olhar marejado. Um corredor longo, perfeito pra apostar corridas e cair em risos no final, perfeito pra perpetuar a imagem do início de um amor. Ruas tão arborizadas quanto meu coração. Mas vós sabeis que uma história de amor precisa de uma tragédia. Eis que o dono das botas já pertencia a outros amores. Eu sinto algo no vento que soa como tragédia no ar. Um dia aprendi que as retas paralelas se encontram no infinito. Há uma equação que explica isso, é tão complicada quanto prática. Me permiti a amar em segredo. Mas o que seria aquilo naqueles olhos senão o amor? De repente, com ímpeto, floresceu-se e ele veio a tona. Viveram felizes pra sempre por muito tempo. As imagens da TV, seguidas pelas tuas retinas, são flashes vermelhos e azuis. Coisa de Godard, provavelmente. Essas coisas acontecem de repente, meninas que fogem, irmãos que se casam, amores que dão certo.

6.3.10

Céuzinho

Encolhi no canto do banheiro sentindo a nuvem fria de água gelada caindo com força, vi os quadradinhos azuis quase brancos e me senti no céu. Porque tanta água aqui em cima? Deus deve se encolher quando a chuva cai gelada assim.

5.3.10

Coti di ano

Discutia-se política, as insatisfações e preocupações burguesas. Pensava-se na péssima distribuição de renda e nos penteados horrorosos das celebridades.

Convite

Por favor sensação gostosa, fica mais um pouco. Te preparo um chá e te empresto meu lençol quente.

4.3.10

Chegou a primavera

Feliz aniversário, metade exilada de mim.

Lovely period

"NÃO FUI EU, FOI A TPM, EU JURO! ELA FEZ ISSO!!"
Sempre levando a culpa por mim.

3.3.10

Jabor

Je sohaite une fleur

Adeus

Sentados entre o verde da grama e o azul do céu, estávamos a procura do que realmente nos satisfaria naqueles dias. A distorção de nossas retinas já não nos deixava enxergar o dilúvio de realidade que dançava ao nosso redor. Então as pessoas começam a deixar a sala cinza de concreto, nos passando pra trás. Esses dias foram santificados por nossos corações. Todas as portas se abrindo ainda cintilam o dourado do que foi deixado pra trás. A grama já esmurecia e o céu enegrecera, já era hora de ir embora.

2.3.10

Adoráveis dias em vermelho

I
Desengonçada, vestida em roupas sem graça, olhava os livros, provida de tanta invisibilidade que talvez nem me enxergasse no meio de tanta gente. Tudo tanto fazia como tanto fizesse.

II
As coisas tão arrumadas do quarto agora encontram um lilás alegre, um lilás que pouco conheci, que talvez me pedisse para notá-lo todas as vezes em que estive triste, que talvez por alguma hipótese quis me animar.

III
Agora comprar mais um travesseiro. Preciso de algo que me faça esquecer que há um vácuo no meio do estômago. Buracos tão silenciosos a ponto de me fazerem fingir que não os sinto.

IV
E assim tem sido.

Pote pra amanhã

A coisa mais difícil de se escrever é sobre felicidade. Há explosões internas dentro de mim, como se vários sóis radiassem por aqui. Finalmente cheiro de vida, cor de sol, cor de pele. E aaaaah, imagino se fossem assim todos os dias. Ora, porque não? Poderia quem sabe guardar um pouquinho de mim hoje pra dá-lo pro amanhã. Eu aindo acho que afinadinho é uma beleza, ainda mais assim, nesse momento, bonito. A pressa não leva a coisas muito boas. Cornetas, flautas, gaitas.

Comptine d'une outre

azul, branco, longe.
chão, sinos fracos, lilás
corredor, gente, gente
janelas, verdes, cinzas.

gente, gente, nada
tela branca, nada
passat branco
nada, nada, nada.

lençóis brancos, travesseiro
partitura de uma valsa tocada perfeitamente num piano ordinário.

1.3.10

São Nicolas

Houve época em que o vermelho afável de cabarés destruídos fora o único amor e rendição que conseguia-se credulamente encontrar. E como amavam, como executavam...
São Nicolas fora o bastardo nascido em ilegitimidade do vermelho do ventre, vermelho daqueles lençóis sujos de perdição, provavelmente. Logo fora orfão. E que orfão amável ele fora.
Mandado ao reformatório aos dez, obteve finalmente sua primeira glória, pego roubando bolsa de freiras, as dos olhares inquisitores. Havia começado ali sua história de amor. Durante trinta anos a perambulação constante. Criança do diabo com asas de liberdade. O santo foi pra prisão. Em qualquer lugar que lhe fossem levado, em todo país que colocara o pé. E como amava a prisão, como terrivelmente eram adoráveis aquelas prisões. Todos aqueles garotos bonitos, cafetões e bichas criminosas. Todos aqueles garotos e algumas tatuagens tristes. Aqueles garotos a quem costumava entregar-se em noites abafadas, noites em que mundo calara os gemidos tristes daquela gente, eram eles as velas que rogavam por São Nicolas todas as noites.
Desgosto dos meninos, seu grande amor foi matar-lhe no quarto, o maldito romance puro fora incontestado. Uma lâmina desenhara no corpo do santo. Arte que o amor lhe concedera.
E todos gritavam em coro que São Nicolas era o santo de todos aqueles garotos bonitos, cafetões e bichas criminosas, das tatuagens dolorosamente tristes.
Todos sabiam em coro que ele era o santo dos cabarés imundos, das prisões, de toda aquela gente que deus adorava esquecer. São Nicolas nascera do ventre impuro da prostituição e morrera nas tatuagens costuradas a carne viva, ardidas em sofrimento. O santo morrera do seu maior amor.

Quote

Narrator: [reading] I am Jack's colon.
Tyler Durden: I get cancer, I kill Jack.

Segunda chuva

Segunda feira, primeiro de Março. Santa chuva que cai aqui nessa cidade e leva meu coração de volta à cidadezinha de onde ele nunca conseguiu ser retirado com sinceridade. O cenário roxo de ultimamente tem impregnado meus dias.