16.9.10

Me transformei na tua dor e ela por vingança me matou.

Abestada de eu

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.

Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
É como correr todos os dias atrás dos espelhos a procurar o céu, a porra do céu, que chega a dar calafrios quando observo-o sentada num corredor. Sozinha.

Quem és tu e quem somos nós?

Havia duas mulheres na sala. As duas estavam nuas mas só uma estava morta.

12.9.10

Senhor dono da verdade do mundo
Tira de nós esse fardo
Enquanto há vontades e falta de carinho,
Que tragam o amor
e a paçoca.