3.7.10

Cansativo

I

Eu me olhava preso numa cama, morrendo de felicidade. O câncer estava apodrecendo o meu organismo. Pelo menos era o que eu sentia - e pouco me interassava saber de mim. Bom era saber que eu morria de ti, morria do teu amor. Eu avisei aos médicos, falei para aqueles pássaros no alto, fiz música, desenhei em pontilhismo e em abstraciosnimo. O único câncer que havia em mim era o teu amor, o teu amor, o teu amor, o teu amor, a porra do teu amor (Ele já não sabia distinguir amor de ódio). Não havia nada em meus pulmões além do amor (eu parei de fumar pra que a fumaça não roubasse teu espaço lá dentro). Doença só se fosse na imaginação de um louco, eu pensara. E me falaram tantas vezes em loucura... Mandei todos à merda. E que fossem. Nunca precisei de muitas pernas, braços e cabeças vazias me rodeando. Precisava de ti. Precisei tanto que as minhas células resolveram te multiplicar dentro de mim e acho que como castigo por amar - inconsenquente, cego, atordoado, inocente, urgente - Deus resolve me tirar a vida. Não entendo, não quis entender, mandei Ele à merda também. Onde estás senão aqui dentro de mim? Eu preciso te encontrar agora.


II [Calmo e azul]

A morte emerge dum horizonte que chamo de oceano, tão calmo e vazio quanto ela - a morte. Fecho os olhos, tapo o nariz, mergulho e me deixo afundar. A água ocupa o teu lugar nos pulmões, mas eu estou indo ao teu encontro e já não preciso mais me preocupar com saudade, ela já não existe. O câncer me liberta.


III
Eu já não existo.

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