3.5.10

I

Foi decidido que a partir daquele dia os relógios seriam desligados. Pulso, parede, celular, qualquer coisa. As horas não passavam e já pouco se importavam. O tempo havia parado, tudo estava estagnado nas previsões dos ancestrais.

- Alguma notícia? Telefone, carta, telegrama?
- Se ao menos coração mandasse mensagem eu dormiria feliz.

Procura-se mulher de coração machucado. Olhos tristes de cílios dourados, mãos calejadas e a alma pura.

- O que acontece quando passa muito tempo longe? Povo esquece de amor? De amar?
- Esquece nada. Povo esquece da feição, sabor da carne. É que perde o tempero, sabe?
- Acho que tô amando. É um vagalume. Ele vem me ver todas as noites, canta música de flores pra mim.
- É porque tu és descaradamente emotiva.
- O que tem a ver?
- Eu tô procurando por Inácia. Não quero saber dos teus amores vagalumísticos.
- Eu também não entendi isso de esquecer feição, tempero, sei lá o que.
- Teu problema é querer entender tudo. Cadê Inácia?

6h da manhã. Mas quem se importava com hora? O dia era dividido em claro e escuro, fome e sono. 6h da manhã, 26 meses depois. O tempo havia consumido tudo. Roeu as unhas das mulheres todas, deixou os cabelos caindo. Mas que porra de passeio foi esse que Celeste foi fazer que nunca mais voltou? Porque foi embora?

- Ouvi dizer que Celeste fugiu com um vagalume.
- Vagalume?
- É, um que cantava música de flores a ela. Ouvi dizer que ela se apaixonou.
- Mas ela nunca me contou de coisa parecida.
- É que você deixou de ouvir.

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